Em 1º de setembro, quatro jovens levarão caixas contendo utensílios de cozinha, livros e outros pertences para sua nova casa em Washington, em uma cena semelhante à que ocorre em toda a cidade quando estudantes começam um novo ano acadêmico e recém-formados começam a trabalhar em seus primeiros empregos.
Mas esses quatro não apenas compartilharão seu espaço para o próximo ano: eles receberam uma bolsa de estudos para morar em uma casa com aluguel subsidiado a fim de se esforçarem para aprender mais sobre a religião uns dos outros enquanto cuidam de suas vidas cotidianas. Cada membro do grupo pratica uma das quatro religiões: judaísmo, cristianismo, islamismo ou bahá’í.
Os quatro estão se mudando para uma Casa Abraâmica — ideia de Mohammed Al Samawi. É a segunda; a primeira foi inaugurada em Los Angeles no início de 2020.
As bolsas de estudo da Casa Abraâmica estão abertas a pessoas de 21 a 35 anos*, que passam por uma extensa preparação antes de organizar diálogos e eventos inter-religiosos.

Os bolsistas participam de um retiro de orientação, onde exploram suas heranças religiosas e expressam suas esperanças.
Sua capacitação cobre tópicos difíceis como islamofobia, antissemitismo e racismo antinegro. Inclui discussões sobre como o preconceito pode surgir e como manter um “ambiente saudável, seguro e positivo”, diz Al Samawi.
Os residentes das Casas Abraâmicas organizam eventos comunitários que promovem harmonia entre as religiões.
Como a pandemia da Covid-19 ocorreu logo após o estabelecimento da Casa de Los Angeles, seus residentes realizaram eventos on-line. Eles e os bolsistas de Washington esperam apresentar programas presenciais em breve, mas, enquanto isso, os eventos virtuais têm atraído participantes de lugares tão distantes como França, Arábia Saudita e Israel.
Em Los Angeles, a Casa Abraâmica já organizou ceias para o iftar, o Shabat e a Páscoa on-line; uma cerimônia bahá’í; discussões de justiça social como uma questão inter-religiosa; exibição de filmes; e eventos sociais.
Os participantes costumam dizer a Al Samawi que descobriram que os estereótipos sobre outras religiões não são verdadeiros. E eles constatam que as interações on-line destacam as maneiras pelas quais as diferentes religiões abraâmicas são de fato muito semelhantes. “No final, todas as religiões — não apenas abraâmicas — estão trabalhando pelos mesmos objetivos de unidade, integridade e serviço”, diz Al Samawi.
Crescimento pessoal
Há uma década, Al Samawi, então com cerca de 20 anos, viajou para Sarajevo com o intuito de participar de uma conferência inter-religiosa. Hoje, ele admite que teve alguma apreensão. Natural do Iêmen, ele cresceu com ideias fixas — sobre sua própria fé muçulmana e sobre outras religiões.

Tendo crescido em uma comunidade conservadora, ele ficou surpreso ao encontrar muçulmanos que não falavam árabe e uma mulher muçulmana que nunca havia usado hijab.
Ao voltar para casa, Al Samawi promoveu um diálogo com judeus e cristãos. Mas sua crença no valor do trabalho inter-religioso não era bem-vinda. Ele recebeu ameaças de morte de extremistas e, por isso, fugiu de seu país e acabou recebendo o status de refugiado nos Estados Unidos.
O entendimento inter-religioso não significa converter ninguém, diz Al Samawi. “Não se trata de ‘minha fé é melhor que a sua’, ou qualquer tipo de agenda política. É simplesmente uma jornada para cada indivíduo desenvolver empatia, compreensão e compaixão.”
Depois de discursar em uma reunião em uma Casa Moishe nos EUA — uma das dezenas de casas em todo o mundo que oferecem aos jovens judeus um lugar acessível para viver em troca da organização de eventos de programação judaica — Al Samawi conheceu o fundador das casas, Daniel Cygielman.
Al Samawi disse a Cygielman que queria criar uma versão inter-religiosa das Casas Moishe, e Cygielman lhe ofereceu orientação.
À medida que sua “incubadora multirreligiosa para mudança social” se expande para Washington, Al Samawi diz que espera um dia ter uma casa em cada um dos 50 estados. Ele sonha em abrir Casas Abraâmicas também em outros países e já recebeu pedidos de Marrocos, Turquia e Alemanha.
* site em inglês