Grupo judeu-americano ajuda sobreviventes do genocídio de Ruanda

Liliane Pari Umuhoza cresceu no Vilarejo Juvenil Agahozo-Shalom* — um complexo bucólico a apenas uma hora de carro de Kigali, capital de Ruanda. Naquela época, ela aprendeu um pouco de hebraico: tikun halev, que significa “curar o coração”, e tikun olam, “curar mundo”.

Liliane está entre os 1.245 jovens ruandeses que passaram a chamar o vilarejo de lar após perderem familiares durante o genocídio de Ruanda que ocorreu na década de 1990. É um lugar onde algumas crianças de um país que sofreu uma ruptura devido a um genocídio foram viver, estudar e integrar uma família novamente.

Em 1994, milícias apoiadas pelo governo assassinaram cerca de 1 milhão de pessoas em Ruanda, eliminando 70% da população tutsi. Cerca de 95 mil crianças ficaram órfãs em decorrência do genocídio. Liliane era muito jovem na época e perdeu muitos familiares.

No Vilarejo Juvenil Agahozo-Shalom, “de início, eles curam o coração para que você possa curar o mundo”, diz Liliane. “Eu sinto que foi o que aconteceu na minha vida.”

Mulher em pé observa os alunos que trabalham em uma mesa (© Marvi Lacar/Getty Images)
Bacharéis universitários — geralmente jovens judeus-americanos — se unem ao Vilarejo Juvenil Agahozo-Shalom como bolsistas. Eles atuam como “primos” para as unidades familiares (© Marvi Lacar/Getty Images)

Mais do que uma escola ou um orfanato, o vilarejo juvenil é uma comunidade de sobreviventes. A falecida advogada judia-americana Anne Heyman o criou inspirada no exemplo dos vilarejos juvenis israelenses construídos para órfãos depois do Holocausto.

“Nós identificamos uma obrigação judaica de ajudar aqueles que sofreram traumas semelhantes aos nossos”, diz Shiri Sandler, diretora-gerente do vilarejo ruandês. “Passamos pela experiência do Holocausto; portanto, é nossa obrigação ajudar outras pessoas que sobreviveram ao genocídio.”

Em 2007, quando adolescente, Liliane se mudou para o Vilarejo Juvenil Agahozo-Shalom, pois era onde teria sua primeira aula. Ela morava em uma casa com 16 meninas que haviam sofrido traumas semelhantes ao seu. Elas chamavam umas às outras de irmãs e os meninos, de irmãos. Cada casa era cuidada por uma “mãe”, muitas vezes uma ruandesa que havia perdido crianças durante o genocídio.

Alunas trabalham em computadores (© Marvi Lacar/Getty Images)
Duas estudantes participam de uma aula de Informática no Vilarejo Juvenil Agahozo-Shalom. Aulas de habilidades vocacionais são oferecidas todas as sextas-feiras (© Marvi Lacar/Getty Images)

“O modelo de família (…) permite que as estudantes adquiram os fatores de proteção que podem impedi-las de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático ou que tornem o transtorno menos grave”, diz Hannah Greenwald, americana que trabalha com assistência médica no local.

Embora 1994 esteja ainda mais no passado, “o trauma do genocídio ruandês ainda está muito presente na vida dos nossos estudantes”, diz Shiri. Nos últimos anos, a vila recebeu cerca de 20 mil crianças nascidas de mães que foram vítimas de estupro durante o genocídio e, posteriormente, crianças que foram criadas por pais que foram traumatizados pelo genocídio.

Pessoas aram o solo em uma fazenda (© Marvi Lacar/Getty Images)
Estudantes aram o solo na fazenda do vilarejo, onde 60% do alimento consumido é cultivado. A fundadora Anne Heyman queria que a comunidade se tornasse autossuficiente (© Marvi Lacar/Getty Images)

Liliane considera a cura das crianças que nasceram influenciadas pelo trauma pós-genocídio de Ruanda um imperativo nacional. Para ela, a cura aconteceu ao aprender a contar sua história. Ela compartilha sua experiência em universidades dos Estados Unidos. Depois de se formar na Faculdade Juniata, na Pensilvânia, ela planeja voltar para o seu país de origem a fim de realizar workshops sobre cura para mulheres que foram estupradas durante o genocídio.

“Precisamos incentivar as sobreviventes a contar suas histórias”, diz ela. “É uma lição eterna para o nosso país e para o mundo.”

* site em inglês