Menina em pé sobre palavras amarelas pintadas em rua, levantando o braço e vestindo uma camisa estampada com um coração (© Go Nakamura/Getty Images)
Em 19 de junho de 2020, Kainaan Jones, de 9 anos, posa sobre as letras "Black Towns Matter" (Cidades negras importam, em tradução livre) pintadas em uma rua de Houston (© Go Nakamura/Getty Images)

O dia 19 de junho, ou “Juneteenth”, é um feriado anual para comemorar as contribuições feitas por negros americanos, sua resiliência apesar de sua história de escravidão e a luta contínua contra o racismo sistêmico.

Nas palavras do historiador Henry Louis Gates Jr., “Juneteenth oferece uma chance de refletir sobre o passado e considerar o futuro. [A data nos pergunta] como podemos celebrar aqueles que vieram antes de nós, superando dificuldades incríveis para que possamos viver a vida que vivemos hoje, por mais imperfeita que seja?”

Por que 19 de junho?

O presidente Abraham Lincoln emitiu sua Proclamação da Emancipação libertando pessoas escravizadas em 22 de setembro de 1862.

Mas o Texas, que fazia parte da Confederação durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, ignorou a proclamação de Lincoln. É por isso que o major-general Gordon Granger do Exército da União e dois mil soldados federais viajaram até o Porto de Galveston no Texas, em 19 de junho de 1865, a fim de fazer o comunicado aos texanos que os escravizados eram livres.

Ex-escravos se regozijaram nas ruas de Galveston.

Retrato em gravura de Gordon Granger (© Peter Righteous/Alamy Stock Photo)
Gravura de John Buttre do major-general da União Gordon Granger, por volta de 1866 (© Peter Righteous/Alamy Stock Photo)

Mas o decreto de Granger não mudou imediatamente a vida de muitos deles. “Os donos de escravos esperaram o maior tempo possível para anunciar a notícia, com muitos deles tentando obter uma colheita final”, disse Gates ao ShareAmerica. E representantes do Escritório do Liberto, agência federal estabelecida para ajudar milhões de afro-americanos recém-libertados após a Guerra Civil, só chegou ao Texas em setembro, meses após o decreto de Granger.

À medida que o feriado do “Juneteenth” ganha maior reconhecimento pelos americanos, alguns se sentem confusos quanto ao seu significado. “De muitas maneiras, “Juneteenth” representa como a liberdade e a justiça nos EUA sempre foram postergadas para os negros”, escreve P.R. Lockhart no site de notícias Vox*.

No Texas, durante os dias e semanas após o decreto de Granger, “ex-escravos que tomaram a iniciativa de abandonar suas plantações, muitas vezes enfrentaram punições violentas, inclusive assassinato, por suas supostas transgressões”, afirmou Gates. “Essa retaliação brutal indicou que texanos brancos não iriam aceitar a liberdade dos negros” e prenunciou ainda mais opressão.

Apesar dos reveses e da violência no Texas, as pessoas recém-libertadas transformaram 19 de junho em um ritual anual de triunfo contra a injustiça.

As celebrações do “Juneteenth” começaram no Texas em 1866. “No início, isso envolvia as preocupações práticas de reunir as famílias”, disse Gates. “Mas antes e agora, serve como uma oportunidade de mobilização para os negros.”

Somente mais de um século depois, em 1980, o Texas reconheceu o “Juneteenth” como feriado estadual. Três estados seguiram o exemplo na década de 1990. Mas em anos mais recentes, 45 estados adicionais aprovaram legislação para reconhecer o “Juneteenth”. (O governador do Havaí assinará o projeto de lei de sua legislatura estadual em 16 de junho.) Apenas um estado, Dakota do Sul, não reconheceu 19 de junho como feriado estadual ou dia de celebração.

Em 15 de junho, o Senado dos Estados Unidos aprovou uma legislação que, caso for aprovada também na Câmara dos Deputados, vai estabelecer o dia 15 de junho como feriado federal.

Pesquisas indicam que dois terços dos americanos acreditam que o “Juneteenth” deveria se tornar feriado. Ao relatar sobre os sentimentos dos americanos, Mike Snider do jornal USA Today escreve*: “A exaustão nacional compartilhada no que se refere à desigualdade atingiu um ponto insustentável, e uma crescente aceitação do “Juneteenth” reflete isso.” Várias grandes corporações dos EUA (entre elas J.C. Penney, Nike, Target, Twitter e Uber) transformaram o dia 19 de junho em um feriado empresarial

A evolução de um feriado

Quando as pessoas libertadas em Houston estavam planejando a primeira celebração de “Juneteenth” em 1866, elas foram impedidas de frequentar parques públicos em decorrência das leis municipais de segregação racial, em franca expansão. Mas na década de 1870, eles haviam reunido US$ 800 e comprado quatro hectares de terra, que chamaram de Parque da Emancipação.

O espaço acabaria sendo o único parque aberto para afro-americanos em Houston durante a era de segregação, de acordo com Kelly Navies, historiadora do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana do Instituto Smithsoniano.

Crianças em playground (© Michael Stravato/The New York Times)
Crianças brincam no Parque da Emancipação de Houston após a reforma de US$ 34 milhões do parque em 2017 (© Michael Stravato/The New York Times)

Em 2007, o Conselho da Cidade de Houston declarou o parque um marco histórico. E mais recentemente, o renovado Parque da Emancipação — ainda usado para as celebrações do “Juneteenth” e muito mais — se tornou um local no projeto da Rota dos Escravos da Unesco, destacando seu papel em elucidar os efeitos da escravidão.

As celebrações do “Juneteenth” deste ano provavelmente vão atrair multidões, em razão dos recentes protestos contra a injustiça racial e da preocupação com o pesado fardo que a Covid-19 tem causado a afro-americanos.

Houston vai realizar exposições de arte, concertos, um festival cultural pan-africano, competições de culinária, um show de comédia, uma reunião para promover empresários negros e um jantar em homenagem ao jubileu.

Atlanta vai realizar um desfile, um festival de música, pesquisas genealógicas, fogos de artifício e muito mais.

Pessoas protestam com os braços levantados ao passar por um mural (© Joe Raedle/Getty Images)
Pessoas marcham em direção ao Capitólio da Geórgia durante um evento de junho de 2020 em Atlanta (© Joe Raedle/Getty Images)

Phoenix vai oferecer um festival de vinhos para destacar vinícolas e food trucks de proprietários negros. Washington e Chicago vão apresentar vendedores de comida, música ao vivo, poesia e jogos.

A própria família de Kelly comemora o “Juneteenth” há mais de 50 anos. “Nós nos reunimos com familiares, parentes e amigos a fim de refletir sobre o significado da liberdade e para celebrar a sobrevivência contínua do povo afro-americano em face de muitos obstáculos”, disse ela.

“O ’Juneteenth’ é um dos nossos maiores exemplos de como um movimento popular pode se encarregar de sua própria história e usá-la para fins benéficos”, afirmou Gates. “Quanto progresso fizemos ou deixamos de fazer desde a escravidão? Como transmitimos aos nossos filhos e netos o significado de sua história?”

Uma versão deste artigo foi publicada anteriormente em 18 de junho de 2020.

* site em inglês