A artista Zeina Abirached cresceu em um bairro de Beirute aterrorizado por franco-atiradores.
Anos depois de a guerra civil no Líbano ter terminado, ela decidiu publicar um relato pessoal de como foi crescer em uma cidade devastada pela guerra. Mas Zeina optou por uma forma pouco comum: contou sua história em um livro de quadrinhos. Ela considerou que desenhos em branco e preto combinados com fragmentos de texto dariam a A Game for Swallows um visual marcante e um apelo mais visceral.
Zeina e outros artistas estão usando o formato dos quadrinhos para contar histórias pessoais e explorar questões políticas e sociais sérias. Ao fazer isso, transformaram um gênero que antes era nicho exclusivo de heróis de ação e seus fãs adolescentes. Algumas dessas novas histórias em quadrinhos, agora chamadas de romances gráficos (graphic novels), tornaram-se best-sellers; outras encontraram públicos de nicho adultos. É um desdobramento surpreendente para um gênero com raízes no entretenimento barato para crianças.
Os jornais publicam tiras de quadrinhos — sequências de desenhos justapostos com texto em balões que contam uma história — desde o final do século 19. Na década de 1930, super-heróis como Capitão América, Buck Rogers e Super-Homem entraram para o universo dos quadrinhos e se tornaram populares entre as crianças.

Os quadrinhos americanos de super-heróis inspiraram ilustradores na França, na Bélgica, no Japão e em outros países para criar personagens de quadrinhos enraizados em suas culturas*. No fim da década de 1970, os quadrinhos começaram a aparecer em formato de livro e a alcançar um público maior. Como o objetivo ainda era entreter, os quadrinhos em geral evitavam temas políticos e em sua maioria ignoravam ou estereotipavam grupos e questões sociais. Então surgiu Maus, e os quadrinhos seguiram novas direções mais desafiadoras .
Maus fez barulho
Em 1991, o cartunista americano Art Spiegelman publicou Maus, romance gráfico para leitores adultos sobre o mais sério dos temas — o Holocausto. Maus narra as experiências na Segunda Guerra Mundial dos pais judeus do artista na Polônia. No livro, os nazistas são retratados como gatos, os judeus como ratos, os poloneses como porcos e os americanos como cães. Maus gerou polêmica, mas ganhou fama — e um público mundial. Muitos consideram que o romance gráfico de não ficção nasceu com a chegada de Maus.

À medida que os leitores consomem mais conteúdo na internet, muitos preferem, e esperam, maior integração de imagens e texto. Isso aumentou a popularidade dos romances gráficos.
“Todo o espectro da mídia — a web, os anúncios, os ícones — está se movendo na direção da inclusão de imagens”, diz Matthew Smith, professor de Comunicação da Universidade de Wittenberg em Springfield, Ohio.
Segundo ele, a disseminação dos dispositivos móveis reforçou a demanda pelo entretenimento voltado para a imagem.
Do nicho ao mainstream
Enquanto a não ficção gráfica no início alcançava somente um público de nicho, suas técnicas agora são cada vez mais comuns em ciência popular, história, conselhos práticos, biografias, competência financeira e outros gêneros. Estimuladas pelos custos de produção mais baixos, as editoras adicionaram elementos gráficos a materiais sobre temas como gravidez na adolescência, furacão Katrina, movimento pelos direitos civis nos EUA e conflitos étnicos.

Desde o fim da década de 1980, as vendas americanas de romances gráficos crescem constantemente, tendo atingindo US$ 415 milhões em 2013, contra US$ 502 milhões das vendas de livros impressos tradicionais no mesmo ano, segundo a revista Publishers Weekly. E as bibliotecas públicas informam que os livros gráficos estão entre seus itens mais populares.
No início, as editoras de romances gráficos consideravam os meninos seu principal público, mas hoje, segundo a editora de aplicativos de quadrinhos ComiXology, mulheres e meninas são grandes consumidoras de títulos gráficos. Um dos resultados: mais foco em protagonistas mulheres e temas de interesse especial para as leitoras. Sally Heathcote: Suffragette, sobre um dos primeiros movimentos feministas na Inglaterra, foi best-seller nos EUA, e o título digital mais vendido da Marvel Comics Reino Unido em 2014 estrelou uma menina muçulmana em Nova Jersey.
Basta desenhar
Alguns artistas e escritores acreditam que o formato do romance gráfico lhes permite transmitir as experiências e os sentimentos dos personagens com mais profundidade.
“Como os quadrinhos exigem que os leitores interajam ativamente com o texto, as imagens e a ação implícita que se passa ENTRE os painéis, isso realmente faz com que as histórias ganhem vida na imaginação deles”, diz Josh Neufeld. Em 2009, ele publicou A.D.: New Orleans After the Deluge, sobre o furacão Katrina e suas consequências. Como os quadrinhos podem mergulhar bem no centro da ação, “consegui levar os leitores diretamente para o momento em que os personagens da vida real lutam com os ventos e as chuvas do furacão, a elevação das águas da inundação e o trauma de voltar para as casas e as comunidades destruídas”, disse Neufeld.

Além disso, como se costuma dizer, uma imagem vale mais do que mil palavras. “Não é preciso gastar páginas e páginas descrevendo um cenário; basta desenhá-lo”, disse o jornalista gráfico Gianluca Costantini à revista on-line Global Comment*.
O formato permite aos criadores ir além de uma experiência de relato direto. “Posso retratar o passado, o que é difícil para um fotógrafo ou cineasta [de documentário]”, disse Joe Sacco à revista Mother Jones*. Sacco, considerado pioneiro do jornalismo gráfico, produziu Palestine, romance gráfico sobre o drama dos palestinos, e Safe Area Gorazde sobre a guerra civil de 1992 a 1995 na Bósnia.

O formato do romance gráfico pode ser especialmente eficaz para memórias e relatos pessoais. Persépolis, de Marjane Satrapi, relato autobiográfico sobre crescer no Irã durante a Revolução Islâmica, abriu caminho para histórias pessoais tão diversas quanto O Jogo das Andorinhas: Morrer, Partir, Retornar (A Game for Swallows, no título original) de Zeina Abirached; March, sobre a participação do congressista John Lewis no movimento pelos direitos civis; e Sisters, de Raina Telgemeier. A história de Raina sobre sua relação com sua irmã mais nova na casa de seus pais nos Estados Unidos vendeu mais de um milhão de cópias.
Shakespeare em imagens
Citando romances gráficos sobre finanças, a mídia, genética e outros temas complexos e abstratos, o professor Smith acredita que não há limites para os temas que podem ser explorados no formato da história em quadrinhos.
Em um curso sobre a lei de imprensa, ele utiliza uma adaptação gráfica da Constituição dos EUA. Smith acredita que esse formato dá vida à Constituição para os estudantes como nenhum livro longo e teórico cheio de texto é capaz de fazer.
Os professores cada vez mais utilizam os quadrinhos e os romances gráficos para promover a alfabetização e envolver imigrantes recentes que ainda estão dominando o inglês, crianças com distúrbios de aprendizagem e outros para quem somente texto pode não ser a melhor abordagem. Para estudantes mais avançados, a versão em quadrinhos de clássicos da literatura pode ser uma ponte para o formato em texto.
“Os quadrinhos são excelentes em muitas áreas nas quais as pessoas se deparam com problemas de alfabetização”, disse a professora e bibliotecária Diane Maliszewski à revista on-line This*. “Eles são o grande equalizador.”
*site em inglês