Em tempos de guerra ou de grave ameaça, os Estados Unidos nem sempre estiveram à altura de seus ideais mais elevados. Mas o povo americano e seu governo realmente agem para restaurar seus direitos e liberdades civis, assim como os direitos e as liberdades civis de terceiros. O autor, Geoffrey R. Stone, é Professor por Serviços Relevantes da Cátedra Edward H. Levi da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago.

Uma lição importante da História americana é que os Estados Unidos tendem a restringir as liberdades civis de maneira excessiva em tempos de guerra. Em certo sentido, isso é compreensível, porque a guerra provoca o medo e o medo provoca a repressão. Mas como sociedade que se autogoverna e aspira respeitar as liberdades de todos, os Estados Unidos precisam se esforçar para se disciplinar e respeitar a liberdade individual mesmo em tempos de guerra. Uma pergunta importante é se podemos aprender as lições da nossa própria História.

Neste ensaio, analisarei brevemente a experiência americana em 1798, na Guerra Civil, na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial e depois farei algumas observações.

Batalha entre o USS Constellation e o L’Insurgente da França (William Bainbridge Hoff/Creative Commons)

Em 1798, menos de uma década depois da adoção da Declaração de Direitos, os Estados Unidos viram-se envolvidos em uma guerra europeia violenta então travada entre a França e a Inglaterra. Um debate político intenso dividia os federalistas, a favor dos ingleses, e os republicanos, a favor dos franceses. Os federalistas estavam no poder, e o governo do presidente John Adams adotou uma série de medidas de defesa que levaram os Estados Unidos a um estado de guerra não declarada contra a França.

Os republicanos se opuseram ferozmente a essas medidas, levando os federalistas a acusá-los de deslealdade. O presidente Adams, por exemplo, declarou que os republicanos “afundariam a glória do nosso país e prostrariam suas liberdades aos pés da França”. Com esse pano de fundo, os federalistas promulgaram as Leis do Estrangeiro e de Sedição de 1798. A Lei do Estrangeiro permitia ao presidente deportar qualquer não cidadão que julgasse perigoso à paz e à segurança dos Estados Unidos. A lei negava ao não cidadão direito a audiência, direito a apresentar provas e direito a revisão judicial.

Página das Leis do Estrangeiro e de Sedição de 1798 (Arquivos Nacionais)

A Lei de Sedição proibia efetivamente qualquer crítica ao governo, ao Congresso ou ao presidente que tivesse a intenção de desrespeitá-los ou desacreditá-los. A lei foi aplicada com rigor, mas somente contra os simpatizantes do Partido Republicano. Foram abertos processos contra todos os principais jornais republicanos e contra os críticos republicanos mais veementes do governo Adams.

A Lei de Sedição expirou no último dia do mandato do presidente Adams. O novo presidente, Thomas Jefferson, líder do Partido Republicano, concedeu o perdão a todos que haviam sido condenados pela lei, e 40 anos depois o Congresso indenizou todos que haviam pago multas. A Lei de Sedição foi um fator crucial para o fim do Partido Federalista, e a Suprema Corte reiterou sistematicamente que a Lei de Sedição de 1798 foi julgada inconstitucional no “tribunal da História”.

Durante a Guerra Civil, a nação enfrentou seu desafio mais sério. Havia lealdades acentuadamente divididas, limites militares e políticos fluidos, oportunidades fáceis para espionagem e sabotagem e mais de 600 mil vítimas de combate. Em tais circunstâncias, e em face da oposição generalizada e quase sempre feroz à guerra, ao serviço militar obrigatório e à Proclamação da Emancipação, o presidente Abraham Lincoln teve de equilibrar os conflitos de interesse entre necessidades militares e liberdades individuais.

Durante a Guerra Civil, Lincoln suspendeu o mandado de habeas corpus em oito ocasiões. (O mandado de habeas corpus permite a um tribunal decidir se uma pessoa está sendo detida pelo governo ilegalmente. A Constituição permite que o mandado seja suspenso somente “quando em casos de rebelião ou invasão a segurança pública” assim o exigir.) A suspensão mais extrema, que se aplicava a todo o país, autorizava os militares a prender “todas as pessoas (…) culpadas de qualquer prática desleal”. Com essa autoridade, os militares prenderam e aprisionaram até 38 mil civis, sem processo judicial e sem revisão judicial de legalidade das detenções.

Campo de prisioneiros na Guerra Civil Americana (Arquivos Nacionais)

Em 1866, um ano depois de a guerra ter terminado, a Suprema Corte determinou no caso Ex parte Milligan que Lincoln havia excedido sua autoridade constitucional, sustentando que o presidente não poderia suspender constitucionalmente o mandado de habeas corpus, mesmo em tempo de guerra, se os tribunais civis comuns estavam abertos e funcionando.

A história das liberdades civis durante a Primeira Guerra Mundial é, de muitas maneiras, ainda mais incômoda. Quando os Estados Unidos entraram na guerra em abril de 1917, havia forte oposição tanto à guerra quanto ao serviço militar obrigatório. Muitos cidadãos argumentaram que o objetivo dos Estados Unidos não era “tornar o mundo seguro para a democracia”, mas proteger os investimentos dos ricos. O presidente Woodrow Wilson tinha pouca paciência para esse tipo de dissidência. Ele advertiu que a deslealdade “precisa ser extinta” da existência e que a deslealdade “não era um tema sobre o qual havia espaço para (…) debate”. Indivíduos desleais, explicou, “haviam sacrificado seu direito às liberdades civis”.

Pouco tempo depois de os Estados Unidos entrarem na guerra, o Congresso promulgou a Lei de Espionagem de 1917. Embora a lei não fosse dirigida à dissidência em geral, promotores federais agressivos e juízes federais complacentes rapidamente a transformaram em uma proibição geral a discursos de sedição. A intenção do governo nesse sentido ficou evidente em novembro de 1917 quando o procurador-geral, Thomas Watt Gregory, referindo-se aos dissidentes, declarou: “Que Deus tenha piedade deles, pois não devem esperar nada de um povo ultrajado e de um governo vingativo.”

Embora o povo americano tenha aceitado restrições às liberdades civis durante períodos de guerra, alguns criticam, e até ironizam, o que veem como medidas excessivas.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o governo processou mais de 2 mil dissidentes por se oporem à guerra ou ao serviço militar obrigatório, e em uma atmosfera de medo, histeria e clamor, a maioria dos juízes foi rápida em infligir punições severas — quase sempre de 10 a 20 anos de prisão — a aqueles considerados desleais. O resultado foi a supressão de todo o debate genuíno sobre os méritos, a moralidade e os avanços da guerra.

A história da Suprema Corte nessa época é de fracasso. Em várias decisões em 1919 e 1920, a corte manteve sistematicamente as condenações de pessoas que haviam protestado contra a guerra e o serviço militar obrigatório — pessoas tão obscuras quanto Mollie Steimer, imigrante russa de 20 anos que havia atirado panfletos contra a guerra em iídiche de um telhado do Lower East Side de Nova York e tão proeminentes quanto Eugene Debs, que havia recebido quase 1 milhão de votos em 1912 como candidato do Partido Socialista à Presidência.

Entre 1919 e 1923, o governo libertou da prisão todas as pessoas que haviam sido condenadas por discurso sedicioso durante a guerra. Uma década depois, o presidente Roosevelt anistiou todas essas pessoas, restabelecendo seus plenos direitos políticos e civis. Nos 50 anos seguintes, a Suprema Corte revogou todas as suas decisões do período da Primeira Guerra Mundial, afirmando que todas as pessoas que haviam sido presas nessa época por sua dissidência haviam sido punidas pela expressão e deveriam ter sido protegidas pela Primeira Emenda.

Equipe de resgate procura sobreviventes do ataque japonês ao USS West Virginia em Pearl Harbor (© AP Images)

Em 7 de dezembro de 1941, o Japão atacou Pearl Harbor. Dois meses depois, em 19 de fevereiro de 1942, o presidente Franklin Roosevelt assinou o ato do Executivo 9066, que autorizou o Exército a “designar áreas militares” das quais “qualquer pessoa pudesse ser excluída”. Embora as palavras “japonês” ou “nipo-americano” nunca tivessem aparecido no ato, ficou entendido que se aplicava apenas a pessoas de origem japonesa.

Nos oito meses seguintes, 120 mil pessoas de descendência japonesa foram forçadas a deixar seus lares na Califórnia, em Washington, no Oregon e no Arizona. Dois terços dessas pessoas eram cidadãos americanos, representando quase 90% de todos os nipo-americanos. Nenhuma acusação foi apresentada contra essas pessoas; não foram realizadas audiências; elas não sabiam para onde estavam sendo levadas, quanto tempo ficariam detidas e que condições enfrentariam ou que destino as aguardava. Muitas famílias perderam tudo.

Sob as ordens da Polícia Militar, essas pessoas foram transportadas para um de dez campos de confinamento, localizados em áreas isoladas em desertos varridos pelo vento ou vastas áreas de pântano. Homens, mulheres e crianças foram colocados em quartos superlotados sem nenhum móvel a não ser beliches. Viram-se cercados por arame farpado e policiais militares e lá permaneceram por três anos

Meninos japoneses em campo de confinamento nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial (Arquivos Nacionais)

No caso Korematsu v. Estados Unidos, julgado em 1944, a Suprema Corte, em uma decisão de 6 votos contra 3, considerou procedente a ação do presidente. A corte apresentou a seguinte explicação:

Estamos cientes das dificuldades impostas a um grande grupo de cidadãos americanos. Mas dificuldades fazem parte da guerra, e a guerra é um conjunto de dificuldades. Korematsu não foi excluído da Costa Oeste por hostilidade à sua raça, mas porque as autoridades militares decidiram que a urgência da situação exigia que todos os cidadãos de origem japonesa fossem segregados dessa área. Não podemos — valendo-nos da calma perspectiva em retrospecto — dizer que essas ações não foram justificadas.

Em 1980, uma comissão do Congresso declarou que o confinamento dos japoneses havia se baseado não em considerações de necessidade militar, mas em crasso preconceito racial e conveniência política. Oito anos depois, o presidente Ronald Reagan assinou a Lei de Restauração das Liberdades Civis de 1988, que apresentou um pedido de desculpas oficial da Presidência e indenização a todos os prisioneiros de guerra nipo-americanos que haviam sofrido discriminação, perda de liberdade, perda de bens e humilhação pessoal por causa das ações do governo dos Estados Unidos.

O Memorial Nacional Japonês-Americano em Washington (Cortesia: mj*laflaca/flickr)

O que podemos aprender com essas histórias? Gostaria de fazer cinco observações.

Primeiro, os Estados Unidos têm uma longa e infeliz história de reagir de forma exagerada aos perigos percebidos em tempos de guerra. Em todos os casos, deixamos que nossos medos nos dominassem.

Segundo, argumenta-se com frequência que, à luz dos sacrifícios que pedimos aos cidadãos (em especial aos soldados) para fazer em tempos de guerra, é um preço pequeno pedir a outros que renunciem a algumas de suas liberdades dos tempos de paz para ajudar no esforço de guerra. Como argumentou a Suprema Corte em Korematsu, “dificuldades fazem parte da guerra, e a guerra é um conjunto de dificuldades”. Esse argumento é sedutor, mas perigoso. Para combater uma guerra com êxito, é necessário que os soldados arrisquem a vida. Mas não é necessariamente “necessário” que os outros renunciem às suas liberdades. Essa necessidade precisa ser convincentemente demonstrada, não meramente presumida. E isso é especialmente verdadeiro quando, como costuma ser o caso, as pessoas cujos direitos são sacrificados não são aquelas que fazem as leis, mas minorias, dissidentes e não cidadãos. Nessas circunstâncias, “nós” estamos tomando uma decisão para sacrificar os direitos “deles” — uma maneira não muito sensata de equilibrar interesses conflitantes.

Terceiro, costuma-se dizer que a Suprema Corte não decidirá um caso contra o governo em uma questão de segurança militar durante um período de emergência nacional. As decisões mais frequentes citadas para respaldar essa proposição são os casos da Primeira Guerra Mundial sobre liberdade de expressão e Korematsu. Na verdade, no entanto, há muitos contraexemplos. Durante a Guerra da Coreia, a Suprema Corte rejeitou a iniciativa do presidente Truman de confiscar a indústria siderúrgica.

Durante a Guerra do Vietnã, a Suprema Corte rejeitou repetidas vezes alegações de segurança nacional feitas pelo Executivo, inclusive a tentativa de restringir a publicação dos Documentos do Pentágono. E, mais recentemente, a Suprema Corte rejeitou sistematicamente as posições do governo Bush no período depois do 11/9. Portanto, embora seja verdade que a Suprema Corte tenda a ser cautelosa para não “atrapalhar” uma guerra em curso desnecessariamente, também é verdade que ela tem um histórico significativo de cumprir sua responsabilidade constitucional de proteger as liberdades individuais — mesmo em tempos de guerra.

Quarto, é útil observar as circunstâncias que tenderam a produzir esses abusos. Elas invariavelmente surgem da combinação de uma percepção nacional de perigo e uma campanha orquestrada pelo governo para promover uma sensação de histeria nacional por meio do exagero, da manipulação e da distorção. A meta do governo ao promover essa ansiedade pública pode ser tanto facilitar a aceitação por parte da população das medidas que ele pretende impor quanto obter vantagem política partidária ou, é claro, as duas coisas.

A garantia da liberdade de expressão conferida pela Constituição dos EUA protege a música e outras formas de entretenimento popular que criticam políticas governamentais, inclusive, como acima, o protesto contra a Guerra do Vietnã.

Não existe uma fórmula fácil de proteção contra esses perigos. Para a obtenção do equilíbrio certo em tempos de guerra, uma nação precisa de juízes que se manterão firmes apesar do calor do momento; membros da imprensa e da universidade que ajudarão os cidadãos a ver essas questões com clareza; autoridades públicas com sabedoria para reconhecer excessos quando eles ocorrerem e coragem para preservar a liberdade quando ela estiver ameaçada e, mais importante, uma população informada e tolerante que valorizará não apenas suas próprias liberdades, mas também as liberdades dos outros.