No marco zero para as mudanças climáticas, tradições e modos de vida estão sendo ameaçados

Anaktuvuk Pass, no Alasca (Foto: cortesia)

Whit Sheard ouviu soar o alarme em relação às mudanças climáticas em sua mente durante uma visita a aldeias indígenas no Alasca. Ele viu casas despencando no mar e antigos cemitérios expostos pela erosão costeira e derretimento do solo congelado.

“Aquilo me impactou profundamente”, disse ele.

O ponto do qual não há mais retorno em Shishmaref, no Alasca (© AP Images)

Sheard, diretor do Programa Internacional do Ártico da organização não governamental Ocean Conservancy (Conservação dos Oceanos), diz que os povos do Ártico estão enfrentando agora climas extremos, temporadas de caça imprevisíveis, geleiras instáveis e outros efeitos do aquecimento global.

Tradição sob tensão

O Ártico está se aquecendo duas vezes mais rápido do que a média do restante do mundo. À medida que o gelo e a neve derretem, os níveis do oceano sobem, enquanto a Terra absorve mais luz solar e fica mais quente.

Para o Ártico e seus 4 milhões de habitantes, as mudanças climáticas não são uma ameaça futura, mas uma realidade atual de erosão costeira, enchentes, incêndios florestais, declínio da pesca e mudanças nas rotas de migração de animais selvagens.

Aonde vamos parar? (Pesquisa Geológica dos EUA)

Ninguém é mais atingido do que os povos indígenas, que formam 10% da população do Ártico. No Alasca, enchentes e erosões atingem mais de 85% das aldeias indígenas. Algumas comunidades constroem paredes marinhas ou estruturas similares para proteção temporária; para outras, o deslocamento é a única opção.

Mas o deslocamento, mesmo de uma pequena aldeia, é uma empreitada difícil que abala vidas e tradições. E é por isso que poucas comunidades decidem se deslocar, mesmo recebendo apoio técnico e financeiro.

As mudanças climáticas afetam não apenas a infraestrutura física das comunidades, mas também as próprias pessoas. Com uma economia e cultura enraizadas no ambiente gelado do Ártico, as vidas daqueles povos, suas práticas espirituais e suas tradições também são destruídas.

Caçadores inuit em uma outra época (1952) em Nunavut, no Canadá (Doug Wilkinson/Wikimedia Commons)

Os homens se arriscam mais e gastam mais dinheiro ao viajar cada vez mais longe para pescar ou caçar. As mulheres não conseguem couro e pele suficientes para fazer roupas e artesanatos tradicionais. As crianças podem ficar abandonadas.

“Quando nossas crianças estão conectadas com sua cultura, elas se tornam mais resilientes e têm mais orgulho e noção de quem são”, disse Ethan Petticrew, mentor em uma colônia de férias na qual jovens exploram as tradições e artes da cultura aleutiana.

Além disso, o aquecimento do Ártico abriu comunidades que estavam isoladas para interesses econômicos como a exploração de recursos naturais, a navegação e o turismo. Os interesses comerciais apresentam oportunidades para o desenvolvimento econômico, mas também ameaças ao meio ambiente que sustenta esses povos indígenas há milhares de anos.

Heróis da resistência

Mas os povos indígenas não estão congelados no tempo.

Na verdade, eles se mostraram pessoas altamente adaptáveis que buscam maneiras de lidar com as mudanças relacionadas ao clima enquanto preservam suas culturas. Com a ajuda do governo, de universidades e ONGs, as populações nativas criaram diversos projetos de adaptação climática e resiliência para mitigar ou reduzir os efeitos do aquecimento global.

Eles incluem*:

  • Desenvolver recomendações para os nativos caçadores de morsas, que não conseguem alcançar suas presas no Alasca e em Chukotka, na Rússia.
  • Preservar o conhecimento da culinária tradicional ao publicar um livro on-line sobre pratos tradicionais do Alasca.
  • Ensinar aos jovens técnicas de sobrevivência tradicionais nos Territórios do Norte do Canadá.
  • Usar GPS para navegação durante as saídas para caçar e pescar.
  • Promover telhados tradicionais feitos de materiais modernos para construções mais sustentáveis nas Ilhas Faroe, na Dinamarca.
  • Construir estradas resistentes ao clima na Lapônia sueca e finlandesa.
  • Promover a língua sami em jogos na internet e em redes sociais na Rússia.
Em Tasiilaq, na Groelândia, nativos atravessam geleiras derretidas para sobreviver. (Foto: cortesia)

Projetos e programas como o Kolarctic** envolvem líderes, ativistas, pesquisadores e participantes de vários países.

Sheard, que representa um consórcio de grupos ambientais no Conselho do Ártico**, disse que os governos precisam se engajar mais sistematicamente para ajudar as comunidades indígenas do Ártico. O Conselho é um fórum intergovernamental que promove a cooperação entre os países do Ártico. Seis organizações indígenas que participam do conselho envolvem seus membros em questões vitais.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, prometeu fazer da batalha contra as mudanças climáticas uma prioridade da presidência de dois anos dos EUA no conselho.

Nos últimos quatro anos, os oito países que fazem parte do Conselho —Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia e Suécia — fizeram acordos de coordenação de operações de busca e resgate, assim como de atendimento de emergência para conter e limpar derramamentos de petróleo. Outros países participam no trabalho do conselho sem direito a voto.

Um exercício de treinamento de busca e resgate da Guarda Costeira dos EUA em julho, perto de Oliktok Point, no Alasca. (Guarda Costeira dos EUA/Flickr)

Energia renovável contra a praga do gás carbônico negro

Assentamentos espaçados ao longo do Ártico enfrentam outro problema climático que pode ser enfrentado com o envolvimento dos governos, empresas e tecnologia locais.

Essas comunidades dependem de diesel, combustível caro, para gerar energia elétrica, aquecimento das casas e transporte. A queima de diesel produz uma fuligem conhecida como gás carbônico negro. Esse tipo de gás carbônico não apenas ameaça a saúde pública, mas também acelera o aquecimento global. Então, é fundamental que essas comunidades encontrem uma solução de energia renovável.

Trenós puxados por cães não exalam gás carbônico como motores a diesel (© AP Images)

Desenvolver fontes de energia renovável em climas extremos apresenta seus próprios desafios, incluindo o fato de que há pouca ou nenhuma luz solar no inverno e o clima é extremo. Mas, com as técnicas de adaptação e tecnologias adequadas, como os sistemas de armazenamento de baterias, esses desafios podem ser vencidos, de acordo com Klaus Dohring, presidente da empresa canadense Green Sun Rising.

Com apoio do governo, algumas vilas do Alasca instalaram sistemas híbridos que combinam energia solar e eólica, contando com reserva de diesel em caso de falha. A cidade de Igiugig, no Alasca, usa energia de um mecanismo que gera eletricidade a partir da corrente de um rio. Alguns projetos de maior escala também tiveram êxito. Na última década, a Associação Elétrica de Kodiak, que fornece eletricidade para a Ilha Kodiak, de 15 mil habitantes, mudou sua geração de energia para fontes hídrica e solar.

Leve a ideia de energia eólica para sua cidade natal (© AP Images)

A colaboração internacional pode fazer uma grande diferença na luta contra as mudanças climáticas no Ártico. E isso já está acontecendo. Por exemplo, a Agência de Proteção Ambiental (EPA), dos Estados Unidos, tem ajudado uma companhia regional de ônibus de Murmansk, na Rússia, a fazer a transição de motores a diesel para motores mais eficientes.

Mas os esforços governamentais não vão obter sucesso sem iniciativas locais, segundo Mary Wythe, prefeita de Homer, no Alasca. A magnitude de um projeto local ou dos recursos financeiros não é importante, disse ela. Mary aprendeu por experiência própria que, “quando você começa algo e consegue fazer direito, outras pessoas vão querer contribuir”.

Em 2007, a cidade de Homer desenvolveu um plano de adaptação às mudanças climáticas e, desde então, tornou-se um modelo de esforço bem-sucedido.

*site em inglês
**site em inglês e russo