O combate ao comércio de escravos dos dias de hoje

Adolescente vista através de uma janela de casa de madeira (© AP Images)
Esta menina de 17 anos na Birmânia (atual Mianmar) escapou com êxito de um barco de tráfico humano (© AP Images)

O tráfico de pessoas é a escravidão moderna, e não existe apenas nos livros de história.

O tráfico de pessoas é também um grande negócio. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho*, atividades ilícitas resultantes do trabalho forçado geram lucros anuais de US$ 150 bilhões. Esse montante excede, e muito, os lucros combinados das três maiores empresas do Vale do Silício. Embora seja difícil precisar números, organizações internacionais avaliam que haja 21 milhões de vítimas de trabalho forçado em todo o mundo.

Siddharth Kara, diretor de programas da Universidade de Harvard e autor de “Tráfico Sexual: Por Dentro do Negócio da Escravidão Moderna”, pesquisou o tópico por 17 anos e documentou milhares de histórias envolvendo as vítimas de tráfico. Ele diz que a compra e a venda de pessoas é mais rentável do que nunca, porque é mais fácil transportar as pessoas hoje em dia.

Nos séculos passados, os escravos eram transportados em navios por meses a fio, diz Kara, e o preço dos escravos refletia esse custo.

Mas agora, com a facilidade e a velocidade das viagens modernas, o retorno anual relativo ao investimento em uma vítima do tráfico pode alcançar até 500% quando os trabalhadores prestam serviços e até 1.000% no caso de vítimas do tráfico sexual.

“Essa é a transformação econômica absolutamente crucial no que se refere à escravidão (…) [e] a razão de continuar a persistir e permear a economia global, embora seja ilegal em cada metro quadrado do planeta Terra”, afirma Kara.

Homem com as mãos atadas com corda (© AP Images)
Autoridades nas Filipinas prenderam um homem que traficava crianças (© AP Images)

O termo tráfico pode causar confusão. As vítimas não necessitam cruzar fronteiras internacionais. Elas podem ser traficadas dentro de seus próprios países, geralmente de áreas rurais para áreas urbanas.

Capacitando pessoas para identificar o tráfico de pessoas

Em todos os EUA, os governos municipais e estaduais recrutam trabalhadores em setores específicos para identificar e denunciar o tráfico de pessoas. Em Ohio, motoristas de caminhões são capacitados para identificar sinais reveladores de tráfico, como mulheres jovens oferecendo sexo ou que aparentemente estejam, contra sua vontade, sob o controle de alguém em uma parada de caminhões em que se realizam transações comerciais.

Em Connecticut, autoridades estaduais e o setor hoteleiro capacitam funcionários para identificar e denunciar traficantes que transportam vítimas entre hotéis e hospedagens à beira da estrada.

Houston, no Texas, está implementando um plano estratégico que espera servir de modelo para outras cidades nos EUA e além. Minal Patel Davis é a primeira pessoa de um gabinete de um prefeito designada em tempo integral para um cargo cuja função é combater o tráfico. Ela pretende alavancar o contato que os serviços da cidade — de inspetores de saúde a funcionários do setor de compras — já têm com empresas e a comunidade a fim de identificar as vítimas do tráfico.

Inspetores de saúde, por exemplo, estão bem posicionados para identificar e denunciar o tráfico quando inspecionam restaurantes, um local comum de trabalho forçado. Inspetores de canteiros de obras estão igualmente em uma ótima posição para identificar o trabalho forçado.

O escritório de Minal é um centro de informações para grupos sem fins lucrativos de combate ao tráfico. “Queremos que nossos parceiros sem fins lucrativos que fazem parte da força-tarefa [antitráfico] do prefeito sejam muito direcionados em sua ação social”, disse Minal. “As instituições sem fins lucrativos não têm dólares para fazer marketing, não têm acesso a esse tipo de informação.”

Por exemplo, Minal descreveu como o escritório de planejamento urbano de Houston pode usar dados do departamento de polícia para mapear atividades associadas ao tráfico, lugares onde o tráfico foi desbaratado antes, áreas onde foram realizadas prisões por prostituição e escolas de ensino médio com altas taxas de evasão onde estudantes podem estar vulneráveis a traficantes. ONGs parceiras usam esses dados para concentrar seus esforços de assistência e capacitação de forma mais útil.

Minal enfatiza que o tráfico é uma questão de direitos humanos. “É também um problema de saúde pública”, afirma. Para ela, essas questões precisam de respostas além da aplicação da lei.

Em 27 de junho, o Departamento de Estado divulgará o 17o Relatório sobre o Tráfico de Pessoas, publicado anualmente, que avalia os esforços de combate ao tráfico de diversos países, inclusive os Estados Unidos.

* site em inglês

Principais formas de tráfico

Trabalho forçado
A maioria das vítimas de escravidão moderna é explorada no trabalho, quer tenham sido traficadas (coagidas ou enganadas, e, posteriormente, transportadas para serem exploradas) ou forçadas a realizar trabalho por sua família ou comunidade. O trabalho forçado é usado em muitos setores, inclusive na agricultura e na pesca.

Tráfico sexual
Embora as pessoas traficadas por sexo devam representar apenas entre 5% e 10% do tráfico humano, elas respondem por dois terços dos lucros. “O tráfico sexual”, diz Kara, “é a forma mais lucrativa de escravidão que o mundo já viu”.

Trabalho em regime de servidão
Neste caso, o credor usa dívidas para extrair trabalho escravo quando os esforços para resolver uma dívida excedem o valor da dívida. Por exemplo, pessoas intermediárias encontram empregos para os trabalhadores e cobram uma taxa que não pode ser reembolsada com seus escassos salários.

Servidão doméstica
Isso ocorre quando um trabalhador doméstico, homem ou mulher, não é livre para deixar seu emprego, sofre abusos e é mal pago, se é que recebe alguma remuneração.

Trabalho infantil forçado
Embora as crianças possam se envolver legalmente em certas formas de trabalho, crianças também podem ser encontradas em situações de escravidão ou semelhantes à escravidão.

Recrutamento de crianças-soldados
O recrutamento de crianças-soldados ou o uso de crianças pelas forças armadas como combatentes ou outras formas de trabalho é ilegal. Algumas crianças-soldados também são sexualmente exploradas por grupos armados.