O que sorvete tem a ver com policiamento?

O Departamento de Polícia de Boston colocou nas ruas, durante o verão americano, sua mais nova arma contra o crime na cidade: um food truck (veículo que estaciona na rua e vende os mais variados tipos de comida) de sorvete.

“Se você me dissesse há 30 anos que nossos policiais não se importariam de dirigir por aí distribuindo sorvetes Hoodsie, eu diria que você enlouqueceu”, disse o comissário de polícia William Evans, se referindo a uma sobremesa popular em Boston que os policiais têm dado às crianças da cidade desde 2010. Essa missão ficou mais fácil com o novo food truck.

Por trás da cortesia, há uma filosofia que as agências de aplicação da lei e os criminologistas acreditam ser capaz de reduzir a criminalidade e melhorar a relação entre a polícia e os cidadãos que ela serve: o policiamento comunitário.

Quando a Força-Tarefa para o Policiamento no Século 21, criada pelo presidente Obama, entregou seu relatório final*, em 2015, o policiamento comunitário foi apontado como um dos seis “pilares” das recomendações. O relatório incentivou a polícia a trabalhar com os moradores. De acordo com o relatório, a segurança pública deve ser “coproduzida” pela comunidade e a polícia.

“Os policiais que trabalham em bairros têm de fazer parte desses bairros”, disse George Kelling, criminologista da Universidade Rutgers, em Newark, Nova Jersey. A polícia “tem de ser atuante na vida da comunidade para poder prevenir crimes substancialmente”, disse Kelling.

E isso nos remete ao food truck de Boston. As crianças ganham sorvete e lanternas de graça para caminhar com os policiais. Os adultos são convidados a sair de casa, se reunir com seus vizinhos e conhecer os policiais locais. “É muito divertido”, disse Evans. “É assim que a gente deve interagir com o público, e não apenas quando acontece algum incidente ruim.”

Homem abre potinho de sorvete para criança (Cortesia: Departamento de Polícia de Boston)
O Comissário de Polícia de Boston, William Evans, entrega sorvetes (Foto: cortesia)

No último verão americano, quando as mortes de negros envolvendo tiroteios com policiais causou uma queda nos níveis de aprovação dos departamentos de polícia em muitas comunidades, um estudo de julho de 2016* de Boston mostrou o oposto: 73% das pessoas tinham uma opinião favorável sobre a polícia — 82% na comunidade branca e 65% na comunidade afro-americana.

Boston recorre aos adultos também

É fácil conquistar as crianças com sorvete, mas os adultos de Boston — especialmente de minorias — estão impressionados com outras coisas:

  • Policiamento mais ostensivo nas vizinhanças — não de carro, mas a pé e de bicicleta.
  • A Força-Tarefa para a Justiça Social, composta por líderes comunitários de cada uma das diversas culturas da cidade, que se reúne regularmente com Evans.
  • Policiais fazendo serviço comunitário em tempo integral em todas as estações. Eles se envolvem em programas de ação social, organizando eventos como “Coffee with a Cop” (Café com um Policial), visitas às escolas e recrutamento para o departamento de polícia em bairros onde há mais minorias.

Enquanto isso, os crimes graves* caíram 9% em Boston nos últimos dois anos e as prisões diminuíram 25%.

Churrascos e incentivos habitacionais em outras cidades

Os departamentos de polícia de outras cidades dos Estados Unidos também têm tido sucesso com novas abordagens para tornar a polícia uma parte mais visível de suas comunidades.

Policial branco abraça homem negro (© AP Images)
O policial Michael Costello (esq.), de Atlanta, abraça seu parceiro depois de comprar uma casa na cidade (© AP Images)
  • A Iniciativa Secure Neighborhoods (Vizinhanças Seguras) de Atlanta, na Geórgia, oferece incentivos para que os policiais da Georgia comprem casas nas mesmas vizinhanças que eles patrulham.
  • A polícia de Juneau, no Alasca, organizou um churrasco onde os convidados da comunidade foram incentivados a usar crachás listando suas qualidades únicas e compartilhar em grandes quadros o que eles pensam sobre a violência recente nos EUA e no exterior.
  • Em Camden, Nova Jersey, policiais fizeram uma pesquisa domiciliar com a comunidade sobre suas preocupações e enviaram uma equipe de 120 “embaixadores” desarmados para conhecer e ajudar os membros de todo o distrito empresarial da cidade.
Policial fazendo cachorros-quentes (© AP Images)
O policial Ken Colon, de Juneau, faz cachorro-quente durante uma celebração da diversidade com a comunidade em um dia de verão (© AP Images)

“É preciso ter um tipo especial de coragem para ser policial”, disse o presidente Obama em um discurso sobre policiamento comunitário*, em 2015, em Camden. ” É preciso ter um tipo especial de coragem para enfrentar o perigo, para ser a pessoa que os moradores procuram quando estão mais desesperados. E, quando você combina coragem com compaixão, atenção e compreensão da comunidade — como temos visto aqui em Camden — coisas incríveis podem começar a acontecer.”

De volta a Boston, Evans resumiu a questão de outra maneira: “Eu não levo em conta o número de prisões, infrações no trânsito ou multas de estacionamento. Eu levo em conta todo o excelente trabalho comunitário que [os policiais] estão fazendo.”

* site em inglês