Na fábrica de aves da Bell & Evans na Pensilvânia, centenas de trabalhadores usando aventais azuis e redes para cabelo manipulam com habilidade facas afiadas em 180 mil carcaças por dia. Entre eles estão inspetores federais de olho nos frangos em todas as fases da produção.
Eles fazem parte de um exército de inspetores do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) na linha de frente para salvaguardar a qualidade de todas as aves, carnes e de todos os ovos processados nos Estados Unidos. Além disso, nas instalações onde os animais são abatidos, um veterinário do USDA também está a postos em tempo integral — ou a linha de produção é interrompida.

A Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos (FDA) fiscaliza mais de 80% do abastecimento alimentar americano, incluindo frutos do mar, produtos agrícolas e laticínios. Juntos, os esforços do USDA e da FDA custam US$ 2 bilhões por ano, mas valem a pena: o sistema de inspeção americano define um padrão-ouro para o resto do mundo.
A FDA também emprega normas rigorosas para medicamentos e equipamentos médicos. Outras agências federais de segurança protegem os consumidores interna e externamente contra produtos defeituosos, variando de barcos a caminhões e brinquedos. As normas são as mesmas, quer os produtos sejam destinados para os mercados interno ou externo.
“Não há um sistema de dois níveis aqui”, disse Michael Taylor, ex-administrador principal de Segurança do USDA e da FDA.
Quando a Comissão de Segurança dos Produtos de Consumo faz o recall de um produto perigoso — como pijamas inflamáveis ou brinquedos com tinta contendo chumbo — ela supervisiona sua destruição ou seu reparo. Recall é o procedimento em que o fornecedor ou fabricante convoca seus clientes a devolverem seus produtos, quando é detectado um defeito de fabricação, ou para a substituição dos mesmos. Os fabricantes não podem enviar os produtos para outro país.

Na Bell & Evans, os inspetores examinam os frangos vivos transportados das incubadoras, depois inspecionam as carcaças e as vísceras. Toda embalagem contém um selo redondo “inspecionado” pelo USDA, inclusive as caixas de pés de frango destinadas a Hong Kong, onde são uma iguaria. Os bovinos e suínos são inspecionados com o mesmo rigor.
O selo do USDA também identifica a fábrica de onde o alimento provém. Os rótulos das embalagens precisam listar todos os ingredientes.
Ciência ajuda a prevenir problemas
As inspeções tiveram início depois de protestos da população em 1906 por causa das condições de higiene precárias na indústria de acondicionamento de carne. O regime de inspeção foi se tornando cada vez mais rigoroso e sofisticado desde então.
Mas em 1978, quando Alfred Almanza começou a inspecionar o gado de um pequeno abatedouro no Texas, ainda “era basicamente apalpar e cheirar” para determinar se o animal estava doente.
Hoje, como chefe do Serviço de Segurança e Inspeção de Alimentos do USDA, Almanza e sua equipe de 6.300 inspetores realizam testes de laboratório para detectar contaminantes microbianos. Depois de um surto letal de E. coli causado por hambúrguer malpassado vendido em uma cadeia de fast-food em 1993, o serviço determinou testes para esse patógeno e Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), abordagem científica de avaliação de riscos para prevenir doenças transmitidas por alimentos.
Muitos fabricantes de alimentos já haviam adotado o método APPCC por conta própria. Ele envolve determinar antecipadamente os locais críticos onde a contaminação pode ocorrer, estabelecer limites aceitáveis de bactérias, realizar monitoramento constante e saber exatamente o que fazer quando forem detectados problemas. A Nasa empregou um sistema desse tipo na década de 1960 para garantir que a comida dos astronautas fosse segura para comer.

A ciência oferece aos inspetores de hoje ferramentas que seus predecessores não tinham, como o sequenciamento de genoma, que pode identificar rapidamente a causa de doenças transmitidas por alimentos e ajudar os detetives de doenças a descobrir onde um surto foi originado.
O microbiologista Robert Brackett, diretor do Instituto de Segurança e Saúde Alimentar do Instituto de Tecnologia de Illinois, compara essas ferramentas com o banco de dados de impressões digitais do FBI.
“As tecnologias de detecção de patógenos se tornaram muito melhores”, disse. “Estamos descobrindo mais casos, mas surtos menores de doença.”
“Hoje”, disse Almanza, “tudo está baseado na ciência”. Seus inspetores têm ampla autoridade para forçar os fabricantes a remover alimentos suspeitos de contaminação — e eles o fazem. No ano passado, os inspetores do USDA condenaram 12,2 milhões de quilos de aves e quase 227 mil quilos de bovinos, suínos e outros animais.
A FDA também agiu com agressividade “para uma abordagem preventiva” que apresenta a APPCC, disse Mark Abdoo, diretor adjunto. “É uma maneira muito melhor de operar.” A recente Lei de Modernização da Segurança Alimentar reforçou os poderes de fiscalização da agência.
Não é apenas a presença dos inspetores que leva os fabricantes a introduzir uma cultura rigorosa de segurança alimentar em todas as fases de suas operações.
Em uma era em que as notícias de recalls de produtos ou fechamentos de fábricas se espalham on-line como fogo, a segurança é “uma questão de proteção da marca”, disse Marianne Rowden, presidente da Associação Americana de Exportadores e Importadores. Se os consumidores ficarem doentes, “o golpe na marca é maior do que qualquer punição que o governo possa impor”.
Quão rigorosas são as normas americanas?

Elas estão entre as mais rigorosas do mundo. Os EUA e a Europa têm regulamentações e agências regulatórias severas. A Europa e o Reino Unido criaram agências independentes de segurança alimentar depois do surto da doença da vaca louca na década de 1990.
Mas os EUA e a UE têm limites diferentes para o que é permitido.
Os EUA, por exemplo, têm tolerância zero para a mortal bactéria listéria em alimentos cozidos prontos para consumo, enquanto a Europa permite quantidades muito pequenas. Já as normas europeias são menos tolerantes com resíduos de pesticidas em alimentos para consumo humano ou animal. (A Agência de Proteção Ambiental regulamenta os pesticidas nos EUA.)
Hormônios na carne bovina são permitidos nos EUA e proibidos na Europa. Para minimizar o risco de salmonela, os EUA exigem que os ovos sejam lavados; a Europa, não.
“O mundo é muito mais seguro na fronte alimentar do que era há 20 anos”, disse Kevin Kenny, fundador da Decernis, empresa de Washington que ajuda as empresas a navegar pela regulamentação dos alimentos de 180 países.
Os consumidores assustados por quantidades minúsculas de “substâncias desagradáveis” nos alimentos — medidas em partes por milhão ou até bilhão — não entendem o pequeno risco que isso representa. “Uma parte por milhão é uma molécula em uma piscina”, acrescenta.

Grandes recalls de carne bovina moída contaminada com E. coli, antes frequentes, despencaram depois que os controles e a análise de perigo se tornaram a norma. “Foi uma enorme história de sucesso”, disse o procurador de Seattle Bill Marler.
De volta à Pensilvânia, o proprietário da Bell & Evans, Scott Sechler, investiu US$ 9 milhões para instalar um sistema que arrefece as aves por três horas em vez de desinfetar as carcaças em uma solução de água e cloro. Segundo ele, o resfriamento leva mais tempo e custa mais; porém, produz frangos mais saborosos.
As aves ainda são revestidas com uma solução antimicrobiana à base de vinagre, mas não há contaminação cruzada. “Este sistema é muito mais limpo”, disse Margaret Roles, gerente de Garantia de Qualidade da fábrica.
A Bell & Evans tem seu próprio laboratório de testes e desinfeta a linha de produção depois de cada turno. As carcaças surgem rapidamente na linha de produção, mas “quando você conhece a aparência de um bom frango, pode detectar um ruim a um quilômetro de distância”, diz Joseph Crisafulli, supervisor da linha de frente do USDA.

Os frangos da Bell & Evans são criados sem hormônio e sem antibióticos. Um quarto deles têm certificação orgânica, o que significa que foram criados em condições menos estressantes, com iluminação natural no galinheiro e acesso a espaços de exercício.
O cuidado extra tem um preço, mas o proprietário da fábrica, Sechler, diz que vale muito a pena: “Produzo o frango mais caro, e não conseguimos produzir o suficiente para atender à demanda.”