
Um crime que tinha a intenção de semear o ódio racial surtiu efeito oposto.
Membros de igrejas e cidadãos da Carolina do Sul responderam com perdão quando um jovem branco entrou em uma igreja em Charleston em 17 de junho de 2015, juntou-se a um estudo bíblico e depois baleou nove membros afro-americanos da igreja em um aparente crime de ódio.
Milhares de pessoas, negros e brancos, fizeram vigília do lado de fora da Igreja Metodista Episcopal Africana Emanuel — não apenas após o tiroteio, mas também um ano depois, quando a cidade realizou 12 dias de eventos chamados “Vitória no Vale”.
Os residentes de Charleston de diferentes religiões e raças abraçaram vizinhos, homenagearam aqueles que se foram e rezaram. E juntos, em uma cidade que outrora foi o centro do comércio de escravos dos Estados Unidos, estão determinados a seguir em frente.
Mais importante ainda, a cidade abordou de maneira honesta a motivação racial pelas mortes, disse Joseph P. Riley, prefeito de Charleston no momento do tiroteio e há 40 anos. “Sem varrer nada para debaixo do tapete. Foi um crime da mais terrível intolerância racial”, disse Riley.

Respondendo ao ódio com o perdão
A decisão por membros da igreja, também conhecida como “Mãe Emanuel”, de perdoar o assassino acusado poucos dias depois do ataque levou um grupo de políticos de Illinois a indicar a igreja para o Prêmio Nobel da Paz.
“Toda a comunidade de Charleston — a igreja, cidadãos comuns, líderes políticos, líderes empresariais e forças de aplicação da lei se uniram para apoiar as famílias que perderam entes queridos. Eles se uniram em um espírito de perdão, amor e paz — não de raiva ou ódio”, informou o grupo.
Inspirado pela graça e perdão expressados por paroquianos da Mãe Emanuel, o governador da Carolina do Sul em 2015 pôs fim a uma controvérsia que durava uma década ordenando que a bandeira confederada fosse removida do Palácio do Governo da Carolina do Sul.
O suposto atirador, que disse esperar que suas ações iriam iniciar uma guerra racial, tinha fotos de si mesmo com a bandeira confederada, considerada por muitos um símbolo racista da era da Guerra Civil. O autor aguarda julgamento em 9 acusações de assassinato e 33 acusações federais, incluindo 24 violações dos estatutos de crime de ódio.

Depois de um ano sombrio, “este é um amanhecer”
Na época do tiroteio, a cidade tinha compromissos garantidos de US$ 75 milhões para o Museu Internacional Afro-Americano*, que será construído no antigo local do Cais de Gadsden, porta de entrada para 100 mil escravos.
O tiroteio apenas intensificou o compromisso da cidade em relação ao projeto.
Nos meses seguintes, Charleston e a Mãe Emanuel também fizeram uma parceria com a Universidade de Medicina da Carolina do Sul para iniciar um “projeto de resiliência” em um dos edifícios da igreja, financiado em parte pelo governo federal, que vai fornecer serviços para as vítimas não só dessa tragédia, mas também de outros incidentes de crimes violentos.
“Eu acho que já não estamos no vale da sombra da morte”, disse William Dudley Gregorie, que estava na Mãe Emanuel naquela noite, saindo apenas alguns minutos antes do atirador chegar. “Agora amanheceu, e estamos finalmente vendo a luz”, disse Gregorie, que é administrador da igreja e também membro da Câmara Municipal de Charleston.
Além da igreja e da cidade, o presidente Obama vê uma nação unida nessa tragédia, como ele expressa durante o discurso fúnebre* para o reverendo Clementa C. Pinckney, pastor da Mãe Emanuel e uma das vítimas do tiroteio.
“O suposto assassino não poderia imaginar como a cidade de Charleston (…) como o estado da Carolina do Sul, como os Estados Unidos da América iriam responder — não meramente com repulsa em seu ato de maldade, mas com a generosidade de grande coração e, mais importante, com uma introspecção pensativa e autoexame que tão raramente vemos na vida pública”, disse Obama.
O discurso é considerado um dos melhores do presidente. Nele, ele notoriamente conduziu a congregação em uma interpretação do hino “Amazing Grace” (Incrível Graça).
* site em inglês