“A vida continua” — refugiados sírios agitam show de talentos

Meninas refugiadas fazem pose para a câmara (@REFGotTalent/Twitter)
“A dança é liberdade para a gente”, diz o ABCD (AnyBody Can Dance), grupo de cinco meninas sírias, finalistas do #RefugeesGotTalent(@ REFGotTalent/Twitter)

Campo de Refugiados de Arbat, no Iraque — Sob uma lua cheia, um vento de poeira e o som do reggaeton ao fundo, os dançarinos de break B-Boyz pularam no palco com uma série de saltos, arcos e moinhos.

Todos os seis, vestidos com camisetas pretas, jeans pretos e bonés pretos virados de lado, são jovens refugiados da guerra na Síria.

Durante semanas, eles praticaram passos de breakdance no lugar que agora é seu lar, o amplo campo de refugiados de Arbat, na região do Curdistão, no norte do Iraque, esperando por um momento único: uma chance de se divertir e virar estrela em um show de talentos chamado “Refugees Got Talent” (Os refugiados têm talento, em traduçao livre), organizado pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

“Quero que as pessoas saibam através dessa performance que, mesmo como refugiados deste campo, a vida continua, nosso talento continua e estou feliz por poder fazer isso com meus amigos”, disse, sorrindo radiantemente, Arzhin Baruda, dançarino de breakdance, que raspou um lado da cabeça em formatos geométricos.

Baruda é apenas uma das quase 8 mil crianças refugiadas sírias vivendo na região de Suleymania. A maioria delas não vai à escola, geralmente porque seus pais simplesmente não conseguem pagar. Baruda e sua equipe aprenderam os passos de dança assistindo a vídeos da internet.

Melhor momento no campo de refugiados

O show de talentos foi para muitos um dos melhores momentos no campo de refugiados. As cadeiras de plástico amarelo no chão de terra foram logo tomadas quando centenas de famílias refugiadas e crianças pequenas começaram a chegar.

Para os 10 finalistas e demais participantes, o show foi o momento para provar a si mesmos que eles são mais do que refugiados, disse Marco Rotunno do Acnur, que ajudou a organizar o evento.

Rojbeen Abdelaziz, dançarina de 17 anos que vive no campo de Arbat há dois anos, diz que o show foi também uma oportunidade para romper os papéis tradicionais de gênero.

“Os meninos são [mais] importantes do que as meninas e podem dançar em qualquer lugar e a qualquer hora, enquanto as meninas não podem fazer isso”, disse ela.

O grupo de Rojbeen, “A-B-C-D” ou AnyBody Can Dance (Qualquer um pode dançar, em tradução livre), tem cinco meninas adolescentes refugiadas e foi inspirado em um estilo indiano de música e dança que ganhou fama nos filmes de Bollywood.

Momento para quebrar as amarras

Rojbeen disse que foi difícil convencer sua mãe. Suas parceiras de dança adolescentes, todas com os cabelos cobertos por lenços brancos conservadores, disseram que o show foi provavelmente a última vez que elas conseguiriam dançar em público.

Mas pelo menos naquele momento, elas puderam quebrar as amarras.

“Realmente, isso [mudou] minha vida. Todos os meus familiares na Síria me disseram por telefone: ‘Meu Deus, eu vejo você no YouTube, eu vejo você no Facebook’, e isso me deixa feliz”, disse Rojbeen.

Parece que o show deixou todo mundo feliz. Mesmo quando a pequenina Dlaza, de 12 anos, subiu ao palco e cantou a música “Girl on Fire” de Alicia Keys com muita coragem, mas lamentavelmente desafinada, a plateia aplaudiu.

Dlaza não foi a vencedora do show. Nem os B-Boyz. Ou mesmo o A-B-C-D.

E o vencedor é…

Depois de confabular entre si, o painel de jurados, sentados em cadeiras amarelas de plástico iguais às do público, declarou Mzgin Ahmad, de Kobani, o vencedor.

O refugiado de 19 anos sacudiu o evento com uma música curda popular, “Kurdistan Azad”, que clama por um Curdistão livre — um tributo para a região que está recebendo quase 250 mil refugiados sírios e que há muito tempo luta por sua independência do Iraque.

Essa reportagem foi publicada originalmente em inglês no site Voz da América.